Euclides da Cunha

Eu não tenho vocação para a espada, a arma que eu sei manejar é a pena.

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27/04/2012

1-  Ele aportou um dia a estas paragens: o dever e o zelo profissionais empurraram-no para cá; de mala pobre e inteligência rica, desceu às margens do rio Pardo e ali ergueu, com retalhos de madeira e pedaços de zinco, o seu barraco (“Que saudades do meu escritório de folhas de zinco e sarrafos, da margem do rio Pardo!”- diria ele anos depois) - barraco que era tenda de trabalho e foi depois manjedoura para o presépio da intelectualidade brasileira. Ali, o rio murmurante a seus pés sussurrava-lhe embaladoramente, aos ouvidos; ali, a poucas braças de distância, do outro lado da corredeira, o cafezal robusto subia a encosta, orgulhoso de sua formação militarizada e satisfeito do papel que desempenhava, e que continuaria desempenhando através dos anos, na economia nacional; ali, no anteparo da serrania mineira, estava a cumeada ondulante das montanhas e o morro do Senhor, destacando-se altaneiro, como um dedo em riste, a apontar o alto, a ascensão, o simbolismo do futuro da  pátria que era-lhe tão estremecida. Ele via aquilo tudo e, naquilo tudo, percebia o Brasil. Viera de Canudos; trouxera de lá umas idéias verrumando-lhes a imaginação e o material contido em umas cartas de  repórter jornalístico; havia lá uma cousa séria a ser resguardada; não era a aldeia sertaneja, não era Antonio Conselheiro, não era  o jagunço; era o homem brasileiro e, com ele, o próprio Brasil. Em pensamento ele já trazia o germe de sua conclusão posterior: “ É que ainda não existe um  Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades...”

2-  Quando daqui partiu, acompanhou-o a saudade dos dias que aqui vivera e as amizades raras, que aqui fomentara. Deixou aqui uma ponte, que resistiu ao passar do tempo; levou daqui um livro, que ao próprio tempo se sobrepôs. “Bíblia da Nacionalidade”, como nós chamamos a esse livro, “Os Sertões” encontram, neste festivo 1952, o cinquentenário de seu lançamento. E desde a época de sua publicação, obra e autor vêm sendo estudados paciente e cuidadosamente, ano após ano. Há uma Academia, onde tais estudos se processam; há uma cátedra, onde tais estudos encontram ressonância – São José do Rio Pardo.

3-  A Bíblia, a que se chama O Livro (a própria etnologia o indica), é, em si, uma série de livros reunidos; “Os Sertões” – monumento das letras brasílicas – a que nós chamamos também O Livro, equivale a toda uma biblioteca. Aquela vem passando de umas às outras gerações e atravessando os séculos. Este, ganhando os dias e caminhando galhardamente para a posteridade; nessa arrancada para o porvir, aí está o marco primeiro: o primeiro cinquentenário de sua publicação.





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