Euclides da Cunha

Eu não tenho vocação para a espada, a arma que eu sei manejar é a pena.

Artigos


Voltar

02/05/2012

  José Aleixo Irmão

Em 1933 lemos pela primeira vez “Os Sertões”.

Com a imaturidade espiritual, própria do verdor dos anos, somente nos agradou a parte de “A Luta”, não atinando, porém, com a riqueza de ensinamentos que “A Terra“ nos ofertava e muito menos com o fatalismo biológico e racial contido em “O Homem”.

Volvidos anos, voltamos a deletrear o livro fabuloso; mas, agora, somente agora, depois de passar horas e horas na “Casa Euclidiana”, estudando conferências e lendo artigos cuidadosamente catalogados pela sua secretaria o compreendemos inteirinho.

Aqui nesta heróica cidade de São José do Rio Pardo a gente acaba apaixonado pelos fatos relacionados com a passagem do renomado engenheiro e escritor famoso e, ouvindo um e outro dos seus raros contemporâneos, bateando as afirmações e as palavras, depura dentre as falsas pedras e cascalhos alguma gema preciosa, livre de impurezas.

É preciso, no entanto, usar de muito tento e cautela no lidar com os “garimpeiros” que exploram o trecho da vida de Euclides, passado em São José, os quais, buscando para si a situação vantajosa de únicos possuidores de gemas histórico-euclidianas, nos querem pechisbeques e ouropel que não resistem ao menor toque probístico.

As conferências pronunciadas durante a histórica “Semana”, quer sobre a poesia ou outro tema ligado ao livro imortal, nos abrem janelas à compreensão deste e das várias teorias científicas aí expostas.

E a gente, lentamente, vai-se embriagando com tais leituras e se empolgando de tal forma que acaba com a bendita moléstia da euclidianite...

Na “Casa Euclidiana” o ambiente é propício à propagação do benquisto mal: encontramos ali o Galotti – há vinte anos completamente perdido da doença; Rubens Ortiz – organizador e pesquisador eficiente – embora novato na Casa, mas também contagiado, e os funcionários João Baptista Ângelo e Joaquim Alves encarregados de nos propiciar ambiente para a euclidianite...

Estamos contagiados!

Bendita doença - mania, como querem alguns menos reverentes...

Tais pessoas, com paciência e solicitude, nos proporcionaram momentos de inefável alegria espiritual em nos abrindo e franqueando as portas do templo euclidiano de São José do Rio Pardo.

Mostraram-nos as “jóias” e as facetas da vida e da obra do renomado escritor; as exploradas e as ainda virgens.

Vimos os pechisbeques...

Varejamos os fichários, pacientemente ordenados pelo Ortiz.

Fomos além: até os cartórios sofreram as conseqüências da doença-mania e neles vimos a atividade e a ação do agrimensor e jagunço manso nesta comarca, timbrando sempre, no entanto, em esclarecer nos autos que a sua principal missão  aqui era a de erguer a ponte metálica.

Somente nas horas vagas agia o agrimensor em divisões judiciais.

E eram tão poucas essas horas que o engenheiro se valia dos serviços de outro colega, não deixando, porém, de reexaminá-los, de refazer cálculos, repudiando-lhes os erros e enganos prejudiciais às partes e à justiça.

Era completo o homem.

Pois bem; comprovado o profundo avanço da mania-doença, em chegando a “Semana” de 1955, a comissão dos festejos nos atirou sobre os ombros o pesado e gostoso encargo de saudar o conferencista oficial, em nome da Casa.

A trancos e barrancos nos desempenhamos da tarefa.

Graças à Municipalidade perpetuamos em livro a memória dos festejos e um pouco da história desta tradicional cidade.

Documentário despretensioso, porém, elucidativo, assim é “Como vimos a Semana Euclidiana na terra rio-pardense”, com suas cento e setenta páginas.

Que as outras Semanas não fiquem sem o seu documentário são nossos votos.

Ali demos o primeiro brado de alerta contra o que julgávamos e julgamos, até prova em contrário, uma invencionice: a da participação ativa de Euclides no Clube Socialista ”Filhos do Trabalho”, já redigindo o Manifesto de 1° de Maio (sic), já tomando parte em comícios de protestos e passeatas vermelhas.

Vai daí o convite que a Casa nos fez para este ano e mais alentadamente desenvolver a dúvida que lançáramos no documentário citado, dúvida já agora transformada em autêntica e firme contestação.

Assunto sedutor e de coturno, eriçado de ácumes e de abismos, demandando coragem em quem o enfrenta e paciência nos que desejam acompanhar o pesquisador através das citações carreadas para este trabalho.

Que nossa palavra seja interpretada no bom sentido – o da Verdade – e jamais no de intolerância partidária ou destruição porque, provado que Euclides não participou do socialismo militante de São José do Rio Pardo, isso em nada virá desmerecer aquele festejado escritor no conceito da História e da Ciência.

Excluída a participação do genial autor d’”Os Sertões” nos clubes socialistas desta cidade, dele somente restarão, como manifestação filosófica, o artigo “Um velho problema”, emanado de teórico comentarista e sem maiores conseqüências, e a previsão por ele feita em “A missão da Rússia” que, aos espíritos atilados e aos estudiosos dos problemas políticos sociais do mundo, não era estranha, antes previsível, como o foi por muitos monarquistas a queda da dinastia de Luís Capeto.

Não vai nestas palavras nenhuma propaganda capitalista, nem tão pouco na contestação, pois confessamos que o socialismo tem já como vitoriosos quase todos os seus postulados que, em muitos pontos, encontram ressonância nas próprias pregações de Leão XIII.

Por isso mesmo, se amanhã surgirem documentos demonstrando que, apesar dos bons propósitos, laboramos em erro, resta-nos o consolo de havermos contribuído, de maneira modesta embora, para aclarar tal ângulo da vida do filho de Cantagalo correspondendo, destarte, à confiança em nós depositada pela “Casa Euclidiana”.

Daremos, então, a mão à palmatória.

Que Deus guie a nossa pena, tirando-lhe o ranço de paixão ou de partidarismo.

  São José, agosto de 1956.





Rua Marechal Floriano, 105 - Centro
São José do Rio Pardo - SP - CEP: 13720-000
(19) 3608 1022